Fé Cristã em Busca de Direitos: 35 anos da Constituição do Brasil
Produção: Casa Galileia
A Constituição de 1988 é fruto da resistência ao autoritarismo e da luta pela democracia de diversos setores da sociedade brasileira, ao longo do período ditatorial (1964-1985).
Embora muitas igrejas e suas lideranças tenham sido apoiadoras e sustentadoras do regime militar, também houve a presença de pessoas cristãs na resistência e luta pelos direitos humanos e pela volta à democracia no país. Essas pessoas lutaram e resistiram por causa de sua fé e por seu compromisso cristão.
Diversas foram as iniciativas que contribuíram para a denúncia e o fim do autoritarismo. Talvez a mais conhecida tenha sido o projeto Brasil Nunca Mais, que ajudou a documentar o que ocorria nos porões da Ditadura, e a atuação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e de projetos como o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), que contribuíram decisivamente para a criação de uma estratégia de oposição ao regime ditatorial com base na incidência e participação popular.
Após 21 anos de Ditadura Militar a luta de diferentes segmentos da sociedade, incluindo setores cristãos comprometidos com o fim do autoritarismo e com o paradigma de direitos, culminou no retorno à normalidade democrática, com a eleição indireta de Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral, em 1985. A Assembleia Nacional Constituinte, convocada em 1985 pelo então presidente José Sarney, trabalhou durante 20 meses, com intensa participação da sociedade.
A Constituição de 1988 foi um importante passo no longo processo de consolidação da democracia brasileira. Grupos vulnerabilizados e minoritários seguem lutando para terem seus direitos reconhecidos, como o direito à educação, à saúde, à assistência social, à previdência, ao trabalho, à moradia, ao meio ambiente, à alimentação, à mobilidade, à cultura e ao lazer.
O Estado Democrático de Direito foi uma importante conquista para que a população possa, através da escolha dos seus representantes e da participação popular, construir um ambiente propício para a defesa dos direitos previstos na Constituição, de forma que a todos e todas sejam garantidos, respeitados e celebrados.
O Estado democrático de Direito é, ao mesmo tempo, uma conquista e uma tarefa de toda a sociedade. A Constituição de 1988 consagrou, ao lado da democracia representativa, a ampliação da participação social como algo a ser buscado no processo de redemocratização: a representação dos movimentos populares, o fortalecimento dos canais de comunicação entre sociedade civil e política institucional, a valorização dos direitos humanos e a ampliação da diversidade no espaço público.
A Democracia só se torna plena com a participação de todas as pessoas. Uma democracia participativa só pode ser alcançada com a garantia de que diferentes espaços sejam construídos para que cada vez mais gente, em todos os níveis, possam participar das decisões públicas: conselhos, comitês, conferências, referendos, plebiscitos, projeto de lei popular etc.
A ampliação dos mecanismos de participação e diálogo entre a sociedade e o Estado, com o envolvimento de toda a sociedade na formulação, implementação e avaliação de proposições legislativas e políticas públicas, cria as condições para uma representação efetiva da mais ampla parcela da população. O reconhecimento da importância da participação da sociedade civil nesses espaços é um marco fundamental da cidadania para a qualidade da experiência democrática no Brasil.
O princípio da laicidade do Estado está previsto no dispositivo constitucional que assegura a liberdade religiosa, no art. 5º, VI, da Constituição Federal. Tendo sua origem na contribuição do protestantismo em face do abuso político das instituições religiosas e da fé cristã, prevê a separação entre Estado e Igreja ou Religião.
A laicidade do Estado é como chamamos a garantia de liberdade religiosa para todas as formas religiosas, de crença e não crença, e a devida separação entre instituições religiosas e o funcionamento do Estado. O princípio da laicidade e da liberdade religiosa se entrelaçam na medida em que sua coexistência possibilita a abertura para uma sociedade que protege o exercício plural da religião e da fé.
A relação dinâmica do Estado laico e da democracia, tal qual preconizado na Constituição, garantem a liberdade religiosa e o respeito à diversidade de crenças. Todos e todas são iguais perante a lei, não podendo uma única fé tornar-se parâmetro legal para toda a sociedade. Defender o Estado Laico não é rejeitar as crenças ou suas manifestações, mas garantir que todos e todas possam professar sua fé com liberdade e respeito. Garantir o direito à liberdade religiosa é um princípio democrático.
Em 1948 foi criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, constituída em 30 artigos destinados à promoção da dignidade da vida humana de todas e todos. Segundo o Art. 5º da Constituição Federal, claramente inspirada na Declaração, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…).”
Na história do Brasil, houve avanços importantes na garantia dos direitos ao longo dos anos, com a formulação de políticas públicas centradas na redução de vulnerabilidades sociais. Para isso, foram criadas legislações como a Lei Orgânica de Assistência Social, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Juventude, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional e o Estatuto da Igualdade Racial, entre outras.
No entanto, o nosso país ainda é marcado por desigualdades e violações de direitos, especialmente de grupos vulneráveis como povos originários, mulheres, crianças e adolescentes, população em situação de rua, pessoas com deficiência ou sofrimento mental, pessoas negras e comunidade LGBTQIA+.
É fundamental que se estabeleçam e sejam apoiadas estratégias gerais nas políticas públicas e de educação em direitos humanos, assim como o fortalecimento dos canais de denúncia de violação de direitos, a fim de zelar pelo cumprimento da lei e a garantia de direitos.
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a aceitação e a adoção dos princípios da Carta da ONU, vivemos, desde 1945, um período de reconhecimento da universalidade e inclusividade dos direitos. A Constituição Federal de 1988 reflete esse mesmo paradigma e prevê o acesso universal e igualitário à educação, saúde, assistência social, trabalho, renda e moradia, sem qualquer discriminação de classe, etnia, raça, credo, idade, identidade de gênero ou orientação sexual.
O universal dos direitos humanos na Constituição Cidadã fundamenta-se nas premissas da igualdade em dignidade e valor de todos os indivíduos, grupos e organizações, sem discriminação. A universalidade, a dignidade, a identidade e a não discriminação são conceitos centrais nos direitos humanos, à medida em que se aplicam a todos os campos. Nesse sentido, é dever do Estado brasileiro garantir mediante políticas sociais, culturais, ambientais e econômicas o acesso de todos e todas a esses direitos, criando mecanismos de redução das desigualdades, de controle de sua execução e de fiscalização e resposta frente à violação desses direitos.
A Constituição Federal de 1988 afirma que o Brasil é um Estado Social Democrático, em que é assegurado o acesso a todos e todas a Direitos e Garantias Fundamentais, Individuais e Coletivas, assim como o acesso à Justiça. Ao proclamar em seu art. 5o, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, a constituição tornou a garantia de acesso à justiça um direito fundamental, pressupondo o seu acesso irrestrito e sem distinção à tutela jurisdicional adequada e efetiva por parte dos órgãos do Poder Judiciário.
Um dos objetivos do Estado Democrático de Direito é a construção de uma sociedade justa, sendo essencial o acesso à ordem jurídica para garantir a efetividade aos direitos de cidadania. O acesso à justiça, visto como um direito humano fundamental, deve ser assim matéria de preocupação do Estado, principalmente nos países que apresentam uma realidade de pobreza e desigualdade social.
A maioria da população brasileira além de não exercer seus direitos, desconhece muitos deles. Por isso a importância de se adotar medidas que democratizem o acesso à justiça, possibilitando o direito de todos e todas à proteção jurisdicional do Estado sem qualquer restrição, assim como a promoção da conscientização da população sobre os direitos, deveres e valores devidos à cidadania.
É comum relacionar o avanço da laicidade do Estado, da democracia e dos direitos humanos nas sociedades ocidentais com a atuação das igrejas cristãs, especialmente protestantes, em diferentes contextos. Se é inegável essa contribuição na promoção de avanços democráticos, também encontramos as igrejas e seus representantes do lado de projetos de poder autoritários, da manutenção do status quo, inclusive utilizando abusivamente as Escrituras Sagradas para defender hierarquias e opressões baseadas em classe social, gênero, raça/etnia, opinião política, religião ou orientação sexual e identidade de gênero.
Com o fim da Ditadura Militar, para a qual muitas das igrejas cristãs deram seu aval, fechando os olhos para todo tipo de arbítrio, como censura, torturas, exílios, execuções e desaparecimentos, muitos cristãos e cristãs renovaram seu pacto com a democracia, expressa na Constituição Cidadã de 1988. Nunca a participação de evangélicos foi tão intensa desde então. Seja através da participação política direta nas eleições de representantes, seja na participação social em espaços de formulação de políticas públicas, como conselhos, conferências, fóruns, consultas públicas, mesas de diálogo etc..
Entretanto, mais recentemente vimos com muita preocupação a aliança de setores majoritários das igrejas com a extrema direita no país, através de um projeto de poder que atacou a democracia e ameaçou a laicidade do Estado, retrocedendo em muitos direitos conquistados no processo de redemocratização do Brasil.
Se a relação das igrejas com a democracia e o Estado de Direito é, assim, problemática e ambígua, é preciso redobrar nossa atenção para que a relação das igrejas com o Estado e a construção de parcerias na sociedade possa convergir para consolidar e aprofundar nossa experiência democrática.
A democracia brasileira é uma conquista de várias gerações de brasileiros e brasileiras que, em meio aos descaminhos sombrios dos autoritarismos, lutaram pela sua consolidação.
Os inimigos da democracia, que não suportam o pluralismo de ideias, a laicidade do Estado e os direitos humanos para todas as pessoas, continuam à espreita, como se viu nos atos antidemocráticos e golpistas de 8 de Janeiro, e estão em todos os setores da sociedade. Infelizmente também entre as igrejas.
Nosso papel como cristãos e cristãs, nesse contexto adverso, é contribuir ativamente em nossos contextos imediatos para o fortalecimento dos ideais coletivos democráticos, tão bem expressos na Constituição de 1988: liberdade, igualdade, pluralismo, laicidade, participação social e cidadã, dignidade da vida humana, justiça, diálogo e escuta ativa, acesso universal aos direitos, diversidade.
Que a nossa espiritualidade seja uma fé ativa em busca de Direitos! Uma fé ativa na defesa da Democracia!
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